Opinião. O que é que as cheias têm a ver com a imigração?

Refugiados climáticos e a ausência de um reconhecimento e proteção legal. Fonte: BoG

“O que é que as cheias têm a ver com a imigração? O que é que a imigração tem a ver como o mar?” – Artigo de opinião de Joana Vilhena Martins.

Enquanto escrevia o que inicialmente seria um artigo sobre a crise que o oceano atualmente enfrenta precisei de ir procurar quantos refugiados climáticos teriam feito as cheias no Paquistão em 2022, não imaginando que cheias de uma escala tão grande estariam a acontecer quase anualmente no Paquistão. 

Em 2022, mais de 33 milhões de pessoas foram afetadas, com 8 milhões desalojadas. Desde junho deste ano, mais de 6 milhões de pessoas foram afetadas pelas cheias, com 2.5 milhões a perderem a casa.

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O Paquistão exemplifica as consequências migratórias e humanitárias da inação climática, mas mesmo assim quase 40 milhões de pessoas não são suficientes.

Em Portugal o tema da imigração ofusca o debate político, sendo uma das principais moedas eleitorais. É pena que raramente se reflita sobre as razões. Em vários países da Europa cada vez mais se argumenta que o problema da imigração tem de ser resolvido “à força” – com mais fiscalização e menos tolerância.

Argumenta-se que se limitarmos a naturalização e expulsarmos quem não tem visto vamos resolver o problema e aprovam-se alterações à Lei de Imigração em 16 dias. Esquecemo-nos que a imigração que recebemos reflete o padrão de consumo que temos, padrão esse que a Europa se recusa a abdicar. Achamos que, ao ver dividas financeiras de milhares de milhões de euros a ser perdoadas, o mesmo vai acontecer com a crise climática.

Mas a natureza não perdoa e a divida ambiental será cobrada – essa é a ordem do planeta onde vivemos.

O conceito de refugiado climático é levado pouco a sério porque o consideramos um futuro distante, pelo menos em Portugal, já que o Paquistão está tão longe.

No entanto, o futuro distante não é nem futuro, nem distante. Enquanto continuarmos a destruir o planeta continuaremos a ter imigração, pelo menos enquanto não for Portugal a estar debaixo de água, depois seremos nós os imigrantes até não haver mais para onde emigrar. 

Hoje em dia não é possível resolver os problemas da imigração sem considerar o impacto que a crise climática tem na deslocação de milhões de pessoas. 

E não é possível falar em crise climática, sem falar do mar. Sendo o principal e maior sistema de suporte de vida, o mar ocupa mais de 70% do Planeta e 98% de toda a água existente na Terra. 

Tem vindo a absorver 90% do excesso de calor gerado pelo aquecimento global, mas ao longo de séculos temos vindo a esgotar todos os seus recursos e a destruir a sua capacidade de regular o clima do planeta em que habitamos.

A energia que o mar deixou de conseguir absorver não deixa de existir, é dissipada em furacões, cheias, tsunamis, terramotos e outros eventos climatéricos. A subida do nível do mar e a erosão da costa têm impacto direto na destruição de infraestruturas, zonas residenciais e agrícolas.

A maioria dos terrenos agrícolas, por exemplo, encontram-se em planícies costeiras ou perto de bacias hidrográficas, e sabemos que entre 10% a 20% dos terrenos irão desaparecer pelas inundações e salinização da água doce. 

Chegámos a um ponto em que a ação do Homem está a retirar toda a capacidade que o oceano tem de contribuir para a continuidade da existência da nossa vida no Planeta. 

Se continuarmos a eleger dar palco a debates superficiais sobre imigração sem refletir sobre as razões da existência da própria, não só no Paquistão mas em todo o lado, seremos todos, mais cedo ou mais tarde, forçados a procurar um novo lugar para viver – até que deixe de existir lugar.

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